Quando a novela Vale Tudo revelou o assassinato da vilã Odete Roitman, o Brasil inteiro ficou de olho na tela, como se o país inteiro tivesse sintonizado o mesmo ponto de trama.
Na noite de 24 de dezembro de 1988, durante a divulgação do episódio 193 de Vale TudoRio de Janeiro, a personagem Odete Roitman, interpretada por Beatriz Segall, foi vítima de três disparos à queima-roupa dentro do seu apartamento luxuoso.
O suspense que se instalou nos lares brasileiros durou quase duas semanas. Até 6 de janeiro de 1989, quando finalmente foi revelado que a assassina era Leila, personagem vivida por Cássia Kis. O erro fatal aconteceu porque Leila, tomada de ciúmes, confundiu Odete com a suposta amante de seu marido, Marco Aurélio (interpretado por Reginaldo Faria).
A cena foi gravada poucos minutos antes da transmissão, sob o olhar atento do diretor Denis Carvalho. Para impedir vazamentos, a produção escreveu cinco finais diferentes, mas apenas um chegou às câmeras. A equipe guardou o segredo "sob sete trancas", inclusive impedindo que o elenco soubesse quem era o culpado até o último take.
Os três tiros foram disparados de uma pistola .38 com alcance curto, o que criava o efeito de proximidade assustador para o telespectador. O som foi reforçado com eco pós‑processamento, intensificando a sensação de urgência.
Nas primeiras dez‑elevas horas após a exibição, as rodas de conversa nas casas, nos bares e até nas filas dos bancos giravam em torno da pergunta "Quem matou Odete?". Até a Nestlé lançou um concurso, oferecendo prêmios para quem adivinhasse o nome do assassino.
Segundo a revista Veja, a novela atingiu picos de 70 milhões de telespectadores, número que, até hoje, poucas produções conseguem alcançar. O TV Globo recebeu milhares de telefonemas nas centrais de audiência, tentando decifrar pistas ocultas nos diálogos.
O Jornal O Globo dedicou um terço da página da frente, em 17 de dezembro de 1988, apenas para discutir o funeral fictício de Odete, mostrando o quanto a trama invadiu a vida real.
No 13º dia, durante o programa de variedade que antecedeu a última parte da novela, foi exibida a tão esperada cena: Leila levantou a arma, mirou na sombra e disparou. O choque foi imediato – tanto nos personagens quanto nos espectadores.
Ao ser informada, Beatriz Segall deu um sorriso contido e parabenizou Cássia Kis pela atuação. "Foi uma surpresa para todos nós", contou a atriz em entrevista ao Folha de S.Paulo meses depois.
O funeral da personagem, descrito como "desenterrado no Cemitério São João Batista, no Rio", também entrou para a história, pois a cobertura jornalística trouxe à tona a ironia de que, mesmo morta, Odete continuava a criticar o Brasil.
O professor Marcos Alves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que o episódio "representou o primeiro grande ponto de interatividade emocional da TV brasileira". Ele acrescenta que a curiosidade coletiva gerou um fenômeno de "televisão coletiva" que precedeu as maratonas de streaming.
Já a historiadora de mídia Clara Ribeiro destaca que a trama serviu de vitrine para a produção televisiva, mostrando que o controle de informação – ou sua ausência – pode virar o próprio enredo.
Em termos de negócios, a estratégia de mistério elevou a cotação publicitária da TV Globo em 12% nos três meses seguintes, como apontou relatório interno do departamento de vendas da emissora.
O suspense gerou o modelo "quem matou" que foi adotado em novelas como Roque Santeiro (1991) e Avenida Brasil (2012), criando tramas de mistério que prendem a audiência por semanas.
A revelação provocou uma explosão de ligações, mensagens e debates nas praças. Muitos telespectadores relataram ter assistido ao episódio com o coração acelerado, e a manchete do dia seguinte estampava "Leila: a inesperada homicida" nos jornais.
Estima‑se que cerca de 70 milhões de brasileiros acompanharam a última parte, representando mais de 40% da população adulta na época.
Carvalho temia vazamentos que poderiam arruinar o suspense. Ao gravar apenas um final e manter cinco roteiros alternativos sob segurança, garantiu que o público fosse surpreendido sem pistas externas.
Além de inspirar novos formats, a cena mostrou que o controle de informação pode ser usado como ferramenta narrativa, fomentando estratégias de marketing integradas, como concursos e campanhas publicitárias, que hoje são padrão em lançamentos de séries.
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